Invisibilidade

A gente vai tomando consciência das coisas aos poucos. Já perceberam que existem momentos em que a gente fala e ninguém ouve? Quando, por exemplo, dizemos: “desliguem a TV, por favor!” nada acontece... Então, a gente grita: “desliguem a TV!” E depois de repetir várias vezes, nós mesmos temos de desligá-la. Percebem isso em outras situações?

A gente vai a uma festa e fica lá por horas. Ficamos prontos para ir embora. Vamos saindo. A pessoa que está com a chave do carro está conversando com um amigo e... continua conversando. Ele nem se vira. Nesse momento a gente percebe: não conseguem me ver. Eu sou INVISÍVEL! Eu sou INVISÍVEL!

Vamos notando cada vez mais. Quando você leva seu filho para a escola e a professora pergunta: “João, quem é essa com você?” E ele responde: “Ninguém!” Ele só tem cinco anos e você já é “Ninguém!”

Numa noite dessas, nosso círculo de amizades se reuniu, celebrando a volta de um amigo da Europa. Ele contava tudo sobre a viagem e eu olhava para os outros na sala. Eu estava sem ânimo, mal cuidado, com uma roupa qualquer. Eu estava me sentindo ridículo.

O amigo recém-chegado veio até mim, e disse: “Eu te trouxe isso.” Era um livro sobre as grandes catedrais da Europa. Eu não entendi até ler a dedicatória: “Com admiração, por tudo de bom que você constrói e ninguém vê.”

Não se sabe os nomes de quem construiu as grandes catedrais. Você procura, mas só encontra: “autor desconhecido”... “desconhecido”... “desconhecido”. Eles completaram obras sem saber se seriam reconhecidos.

Há uma história sobre um dos construtores que estava esculpindo um passarinho que seria coberto por um telhado. Alguém lhe disse: “por que gastar tanto tempo fazendo algo que ninguém verá?” E aqui diz que ele respondeu: “porque Deus vê!” Eles acreditavam que Deus via tudo.

Deram sua vida por obras que nunca viram concluídas. Algumas catedrais levaram mais de 100 anos para ficarem prontas. Isso é muito mais que a vida útil de um trabalhador. Sacrificaram-se, dia após dia, para não terem qualquer reconhecimento numa obra que não veriam concluída. Um dos escritores chega a dizer que nenhuma grande catedral será novamente erguida, porque há pouquíssimas pessoas dispostas a tanto sacrifício.

Eu fechei o livro e era como se Deus dissesse: “Eu te vejo! Você não é invisível para mim. Nenhum sacrifício é tão pequeno que eu não veja. Eu sorrio ao ver cada trabalho, cada noite sem dormir... Vejo cada lágrima de decepção quando as coisas vão mal. Mas, lembre-se: você está construindo uma catedral! Ela não ficará pronta durante sua vida. E, infelizmente, você nunca entrará nela. Mas, se você construí-la bem, eu entrarei.”

Às vezes, a invisibilidade me afligia também. Mas entendi que ela não é a doença que apaga a vida. Ela é a cura para a doença do egoísmo e do egocentrismo. É o antídoto para o orgulho. Não importa se os outros não me veem. Não importa se seu filho não disser a um amigo que for lá na sua casa: “Cara, você não vai acreditar no que a minha mãe faz: ela acorda às quatro da manhã, cozinha, lava, passa roupa...” ainda que você faça tudo isso. Queira que seu filho se sinta feliz ao voltar para casa e diga ao seu amiguinho: “você vai adorar ir lá em casa!” Não importa que muitos não saibam qual ritmo de nossa vida, como se pudessem dizer: “olha! Eles vão dormir às duas ou três da manhã, acordam às cinco, rezam, estudam, trabalham...” ainda que a gente faça tudo isso. Importa a gente chegar ao fim do ano, encontrar nossos pais, irmãos, parentes, amigos, padres e ouvir deles: “parabéns, filho, você venceu mais uma etapa!” Não importa se os outros não nos veem. Não trabalhamos para as pessoas. Trabalhamos para Deus. Por Ele nos sacrificamos. Os outros nem sempre prestarão atenção, por melhor que trabalhemos. Rezemos para que nosso trabalho fique como um monumento para o nosso Deus!


*Texto inspirado no monólogo “A mulher invisível”, apresentado pelo seminarista Sebastião no Natal das Famílias (11-12-2011) no seminário.

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